domingo, setembro 27, 2009

De luto...

Luto para que sejas tu. Na maior parte dos dias, fecho os olhos com muita força e tento esquecer esta luta. Porque é uma luta inglória. Não podes ser tu.
Sou tua.
Mas a alguém que me ofereça um sorriso, deixo escapar um gosto de ti telenovelesco. Se me abraçarem forte, digo sim a um eventual compromisso de vestido e grinalda.
E sim, vendo-me por pouco. Afinal tens tudo o resto.
E não podes ser tu. Luto diariamente para que não o sejas. Com uma vontade férrea. Esmago desejos e beijos. Engulo soluços e palavras. Encolho-me neste lado do silêncio.
Quero que sejas feliz. Quero ser feliz.
(ainda assim luto para que que sejas tu)

sexta-feira, setembro 18, 2009

O que sei da vida

O que sei da vida: Que se acaba. Que se derrete no milésimo de segundo em que adormeceste e passaste o sinal vermelho. Eu ia morrendo e tu navegas pela morte à procura de um caminho na cama do hospital.
O que sei da vida: Que se acaba lentamente numa cadeira de rodas com um cancro a corroer-te o cérebro e coarctar-te para sempre os movimentos, a fala, a visão e a audição.
O que sei da vida: Que se acabou hoje neste cemitério.
Ainda é Verão e chove. A vida acabou-se por detrás dos óculos escuros que sustém as lágrimas que não podemos chorar à frente uns dos outros. E admitir que a vida se acaba assim depois de um transplante que prometia os anos em que poderias continuar por cá. A sorrir. Tinhas um sorriso lindíssimo de manhã quando chegavas ao trabalho e dizias que era bom continuar por cá.

Neste Verão parece que o que sei da vida se resume a isto: ela acaba-se.

(E talvez tenhas razão, é bom continuar cá... mas não nestes dias em que tudo se acaba.)

quinta-feira, setembro 03, 2009

Vivemos a perder.

Vivemos a perder. Todos os dias abandonamos alguém à beira da estrada. Todos os dias nos despedimos de alguém que no dia seguinte não vamos ver. Dizemos adeus a um rosto, sem lhe conhecer o sorriso, dispensamos corpos sem lhes enxergar os encantos. Amordaçamos as vozes sem sequer lhes proporcionar o tempo de uma conversa banal. Escondemo-nos na gola do sobretudo para não ver a lágrima do outro cair. No silêncio de nós. Vamo-nos embora todos os dias, sem sequer reparar no esmero dos novos sapatos de quem nos impediu de morrer.
- Fica bem?- pergunta o homem de bata branca que me salvou as memórias.
- Ficarei. Fico sempre bem antes de morrer.
Ri-se. Afaga-me o cabelo despeitadamente. Podia ser meu pai. Meu professor. Meu amante.

Agora, encostada ao vidro do táxi, amachuco com força as prescrições de nomes compridos e comprimidos em linhas paralelas. Que nunca se encontram: memória do muito que se lançou ao desbarato.

Ficam as perdas inevitáveis. O tempo quase irrecuperável. Como daquela vez, em que roguei que te fosses embora, quando só queria que ficasses. Desviámo-nos do caminho um do outro. Apartámos palavras e afastámos emoções. Só para ficar longe. Para perder.

E já perdemos tanto...