terça-feira, junho 16, 2009

I- Carta

Instruções


Tens de me ler até ao fim. Sem hesitações. Podes parar para sacar do cigarro ou beber um gole de água, porque isto vai demorar muito e tu vais ter sede ao fim de uns minutos, já te conheço, afinal já se passou algum tempo entre nós. Se te apetecer, podes também petiscar umas pipocas ou uns cajus com sal para aligeirar o ambiente intimista e melancólico. Peço-te apenas que não te disperses demasiado e sobretudo não a leias em voz alta. A tua voz distorce tudo...


Podemos começar assim pelo princípio das cartas, a indicação do dia de hoje. Hoje, um dia como outro qualquer, é apenas quarta-feira, a data verdadeiramente dita e explicada como vem no calendário até poderia ter importância, mas hoje é um dia como outro qualquer.

Agora situo-te no local onde estou, no meio da serra de Sintra ou monte da lua, como sempre preferi chamar. Estacionei o carro, a alguns metros daqui, encontrei um tronco toscamente partido e sentei-me com o portátil no colo. Escrevo-te, portanto daqui, rodeada desta folhagem verde, desta humidade que arrefece o corpo, tornando-o tão frio por fora, como eu própria já o sinto.

E depois o resto, o essencial de tudo isto e o motivo óbvio pelo qual te escrevo, mas que custa tanto descrever.

Seria tudo tão mais fácil sem estas coisas dos sentimentos que atrapalham os pensamentos, aquecem corpos e fazem acontecer desejos.


Disse-te não regresses, como te poderia ter dito “não partas”. Qualquer uma dessas opções teria as mesmas lágrimas a final. E nós já conhecemos tão bem esse final fadado a nós.


Talvez isso torne tudo mais fácil de viver. Se soubermos como vai acabar. E nós sempre soubemos que o nosso amor era um processo urgente. Que não podíamos suspender. Nem parar o tempo. Nem estrangular o que nos corre nas veias. Sempre soubemos que iríamos ser vencidos. E ainda assim…