segunda-feira, dezembro 08, 2008

Deixa

Deixa que exista um pedaço de qualquer coisa onde eu possa apenas ficar quieta. onde as minhas lágrimas não pertubem o remoer dos dias. onde o meu silêncio não signifique gritos magoados e filtrados pela correnteza do dia-a-dia. Deixa a minha almofada, o lado esquerdo do colchão. O resto da casa é tua. Deixa-me as horas mortas da madrugada e o resto do dia será teu. Terei o mesmo sorriso de sempre, a comida à tua espera no prato e o maço de tabaco preto na mesa da sala, o chá quente para engolires os comprimidos. Mas deixa-me o quadro preto para que eu possa riscar o giz branco e ensurdecer-me com aquele ruído absurdo. Assim não terei que me ouvir. Deixa-me o espelho da casa de banho e o batom vermelho, para que escandolasamente e pela última vez, eu te possa escrever "amo-te". Deixa-me um recanto de história para que eu possa sentir saudades e voltar sempre que o mundo lá fora doa demais. Faz-me ser de outros homens, liberta-me do ensejo de ser tua e larga-me a mão.

quarta-feira, novembro 12, 2008

do silêncio

tela azul cobalto. a cor perfeita do meu silêncio. sem traços, riscos ou rabiscos. apenas a tela azul. o tom das lágrimas que se aprendem a calar. a cor dos teus olhos fixos nos meus quando tudo o resto era tempestade lá fora. o céu, também azul forte, naquele fim de tarde na esplanada, onde tudo doeu mais forte. Mais uma vez. E foi o fim.
A paragem imperativa das vozes e das pessoas que se acotevalaram diante de mim a quererem falar, dizer, pedir, exigir e algumas até se dispuseram a ouvir. Mas não havia nada.
Simplesmente, nada para dizer. Não quis falar para não peturbar o acontecer deste azul cobalto que se instalou. Não quis mesclar este azul de silêncio e odor a maresia com quaisquer outras cores. Vivo em piloto automático. Não sinto. Não penso e não vivo. Silencio-me apenas até que tudo passe. E fique somente a tela azul cobalto. Testemunha em silêncio.

segunda-feira, agosto 25, 2008

do que não gosto de falar

Há coisas que não gosto de falar. Nem de partilhar. Porque trazem á superfície da pele memórias estranhas e confusas que preferia não reviver. Mas hoje aconteceu. Voltei á escola. De uma outra forma.
Não sou professora. Talvez gostasse de ter sido. Pelas mais diversas razões ou tão somente por uma que me atravessa o espírito de quando a quando. Para me vingar. Não dos professores, propriamente ditos. Tive-os bons, maus e medíocres.
A minha ideia de vingança é qualquer coisa de pessoal. De coisas que se aprendem a perdoar, mas que, ainda assim, não se esquecem. Assim se eu tivesse escolhido ser professora, vingava-me dos alunos. Daqueles seres que destroem a ilusão açucarada que a infância e a adolescência são apenas os verdes anos em que todas as coisas são fáceis. E não são.
São os tempos em que as primeiras feridas nos ficam a habitar permanentemente. Perdem-se as primeiras batalhas e há bocados de nós que ficam naquelas trincheiras. Aprendemos a reconhecer a crueldade, o preconceito, o desprezo, a diferença e a ignorância nos olhares alheios. Aprendemos a construir muralhas e a soprar nos intervalos das aulas, castelos de areia temporários. Mas para quê?
Eu preferia estar com aquele grupinho a saltar ao elástico ou a discutir o último episódio dos "Morangos".
Mas estou aqui, sentada no banco de madeira, a observá-las. A tentar não ouvir os seus risinhos e comentários maldosos, a tentar não sentir os seus olhares penetrantes. Eu estou aqui. Nos meus dourados verdes anos, apenas a aprender que o que não nos mata, torna-nos mais forte.
O remédio para o "bulling" começa em casa. Na formação que não se dá aos filhos. Estende-se depois para os professores que não tem tempo, nem paciência, nem condições, nem dinheiro, nem motivação, nem qualquer outra coisa, para poder explicar a esses miúdos que é errado e cruel deixar meninos e meninas no pátio a aprenderem sozinhos, e á sua custa, que o que não nos mata, torna-nos apenas mais forte, mesmo quando se preferia não saber nada disso e ser apenas igual aos outros.
"Eu queria apenas ser igual. Igual á Mariana ou á Inês, por quem todos os rapazes da turma se apaixonaram este ano. Ou então ser tão inteligente como a Ana, que é sempre tão segura de si e não dá confianças a ninguém. Só não gosto de ser como sou. Porque todos me olham e me gozam diariamente. Ninguém quer brincar comigo. Ou sequer me convidam para os trabalhos de grupo. Sou só eu e eu sozinha. Por isso queria ser igual. Até pode ser á Tânia que é má e de que ninguém gosta, mas que todos convidam para tudo. Porque tem medo dela. Eu quero apenas ser igual a alguém. Para que não se riam de mim. Peço desculpa por ser assim, mas não sei ser diferente. "
(excerto de uma redacção de uma aluna do sétimo ano, com o título "Carta aberta ao Pai Natal")

terça-feira, agosto 19, 2008

Só sangue

Choro, mas não grito a dor. Quero parar, mas não sei com o quê. Quero seguir em frente, mas há peso morto a ser carregado por entre o meu corpo. Lágrimas secas que não se dissolvem na pele. Apenas a secam. Irremediavelmente.
Há estilhaços de ti que ainda não cuspi. Tu, aos pedaços, em bocaditos que se enredam nas minhas vísceras e se deixam ficar. Como se afinal pudesses fazer parte de mim. Ainda que...


Dizem que me matas por dentro. Ainda estarás viva?

Só sou sangue. O que ficou depois de ti.

terça-feira, julho 08, 2008

Amo-te

Mesmo que deixasse de escrever "amo-te" em cada pequeno lugar disponível, não te esqueceria. Assim não te esquecem as janelas dos autocarros em manhãs frias, ou os capôs dos carros sujos com que me deparo, a areia deserta em que faço das canas o meu lápis e escrevo sempre "Amo-te". Amo-te de um amor antigo, indizível e por isso mesmo também intransmissível. Não é possível dá-lo a ti.
Serei egoísta talvez. Mas partilho esse amor com tanta gente. Centenas de desconhecidos que tão bem sabem que tu e eu existimos. Na frase que nos separa. Na distância que nos iguala. Apenas duas secretárias atrás de mim. Atirando-me papéis como se ainda partilhássemos aquele tempo bom do leite morno com café e do pão com manteiga e uma fatia de fiambre. Quando afirmaste categoricamente que aquela praia era tua. Fiquei a menina do balde azul. Do coração roubado. Amo-te, desenho de azulejo ou pedaço de calçada portuguesa. Embrulhada no xaile preto do fado, onde a saudade sabe de cor o teu nome. "Amo-te" ainda nos troncos das árvores dos jardins por onde passo. "Amo-te", nas portas das casas de banho públicas. Amo-te, mesmo que não saibas ou não o queiras e um dia eu deixe de o escrever
.

sábado, junho 21, 2008

É quase certo,sabias?

É quase certo fazeres parte de mim. Em nós sobrevivem sobrevivem camadas de tempo que se acumulam na pele e no sangue. A dor pode durar para sempre. E ainda assim ser real. Quase palpável. E ser uma certeza. Ás vezes a única certeza. Podemos usá-la. Masturbarmo-nos deliciados com ela.

É quase certo fazeres parte da minha dor.

É quase certo fazeres parte de mim.

Sabias?

terça-feira, junho 10, 2008

Arco-íris

Quieta. Foto a preto e branco porque são estas as cores do meu silêncio. Não há tesouros escondidos no fim do arco-íris. Hoje já nem sequer descortino arco-íris no meu céu. Por isso continuo, quase sem me mexer, para ver se o silêncio não me toca. Não me desgasta. E não me devolve a verdade.
É quase que como se a outra parte de mim fosse gostar de ti. Como se existisse em mim uma outra parte que continua, miraculosamente, a amar-te. Ainda e, apesar de tudo, sem saber o porquê. Quietude silenciada. Os teus lábios nos meus. O tesouro no fim dos meus arco-íris.

Já não há arco-íris no meu céu. Só chuva. Sem sol.

segunda-feira, abril 14, 2008

Lasanha

Poderia ser o meu prato favorito. A receita mais saborosa das minhas habilidades de dona de casa. É a recordação do sabor, do odor intenso do tomate temperado com oregãos e vinho branco a cozinhar lentamente, da textura da carne picada sabiamente picada e refogada na cebola e no alho. É a lembrança do meu comer na tua boca. É a lembrança da tua boca. De tu em mim. As natas aveludadas manchando os lábios. E o queijo pequeno aos bocados derretendo-se na língua. fundindo-se em nós. Na mágica alegria dos imprevistos.
Por graça quase parecíamos uma colagem de algum artista perversamente intelectual. Quem nos imaginaria colados? Quem nos poria na mesma tela? Ou até na mesma vida?
Só quem não resiste às tentações. Do espírito da carne. Tudo a nu. Por nós.

Lasanha ainda. Apesar de tudo.

terça-feira, fevereiro 26, 2008

E se te matasse?

E se te matasse? Pela calada da noite, na paz aparente e podre desta casa. Deste bairro, desta cidade. Alguém me vai defender. Dizer que estou louca ou que me atacaste primeiro. Ou melhor ainda que me humilhaste tantas e tantas vezes que matar-te foi a conclusão lógica de tudo isto.
Hoje era um bom dia para morreres porque amanhã a empregada vem cá e sempre limpava melhor os vestígios do crime. Na televisão, os polícias bonitos ainda assim conseguem descobrir sempre. Mas isto aqui é só Portugal, é só Lisboa, num bairro condenado ao desprezo de todos. Aqui não entram polícias bonitos. Portanto não há que ter medo de te matar.
Pelo menos acabariam as minhas noites de insónia como esta. Em que tu ocupas a cama inteira e ressonas como um porco. Às vezes tenho nojo de ti. Pareces mesmo um porco rosado e anafado daqueles que se vendiam nas feiras da minha infância. Lá na terra, era assim os porcos bonitos e lustrosos vendíamos, os outros matávamos simplesmente. E era uma festa.
Matar-te será também como uma festa igual às desses dias. Será a minha liberdade. Porque finalmente poderei ser eu. E voltar à terra da minha infância, rever os abraços ternos da minha família, a qual me impediste de contactar desde que casámos.
E foi no dia do casamento que me apercebi que te queria matar, por isso sim, foi um crime premeditado. no qual eu já cumpri a minha pena antecipadamente. Agora posso finalmente matar-te. E sair em liberdade da prisão.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

ensaio

Vamos viver juntos?
Assim sem mais nada. Sem beijos. Sem declarações de amor. Sem projectos para o futuro. Sem palavras bonitas. Só tu e eu. Numa loja de decoração.
Disse que sim.
Afinal sempre era mais alguém para partilhar as despesas fixas da casa. Eu estava desempregada.
Trouxeste quatro malas. Duas cheias de livros, uma com o teu insperavél portátil e apenas uma com roupa. Chegaste ao teu futuro quarto, pousaste as malas no chão e atiraste-te para a cama. Esticaste-me a mão, convidando-me também.
As cócegas, as lutas de almofadas e o risos acabaram num beijo. Acariciaste-me o rosto e levaste-me até ao meu quarto. escolheste um lado da cama e nessa primeira noite dormiste como uma criança. Eu fiquei acordada a pensar, no porque não, disto tudo. Erámos amigos. Os melhores amigos. Porque não, quando tudo parecia dizer, porque sim?
A partir dessa noite dormirmos sempre juntos. o meu corpo acostomou-se ao teu. Os teus braços encaixavam-se em mim serenamente. e o meu sono era feito de sonhos quentes.
Nunca aconteceu. Não sei se precisava realmente de acontecer. erámos tão felizes assim. mas não nos tocávamos daquela maneira. não havia o desejo. havia a cumplicidade das mãos dadas. dos pensamentos e das frases completadas um pelo outro. havia a paz insurrecta do branco. havia as pantufas ao fim do dia.
Erámos dois e bastavamo-nos para o que fazíamos do nosso dia a dia. Ou talvez não, porque todos os outros porque sim, pareciam-me agora sem nexo e os porque não aglomeravam-se nos meus olhos tristes.
E um dia disseste-me:
- Somos uma espécie de ensaio
E eu respondi-te.
- Porque não.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

O dia do açucar

hoje é o dia das bobagens, como me diz um amigo meu. Acrescento eu, hoje, é o dia dos ursinhos brancos com corações vermelhos, dos bombons, das rosas vermelhas. Nada de mais chato e batido. Nada de menos original também.
mas o amor quando é amor não precisa de ser original, nem moderno, nem clean.basta só ser feito de açucar e fazer brilhar os olhos. Pode ter sms pirosas e tipificadas, jantares românticos e velas. Pode ser a coisa mais foleira.


Porque o amor é o verdadeiro cliché intemporal

sábado, fevereiro 09, 2008

Nas asas do vento




"Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo."
Sócrates.

"A terra é a minha pátria, o céu o meu tecto, a liberdade a minha religião. "
Provérbio cigano
.



"A minha avó pressentiu-me antes mesmo da minha mãe me sentir. Ela sempre foi assim, presumo. Cheia de rugas, de preto e de mistérios a nascerem-lhe por entre os dedos. Lê cartas e adivinha o sexo dos bebés que as mães carregam no ventre. Diz o caderninho que traz guardado consigo que nunca falhou. Já foi presa. Por vender ténis “Nuke” e relógios “satch”. Por curar maleitas com vapores de folhas verdes e palavras cozinhadas num lume baixinho de segredo e sabedoria. Nunca se verga. Conhece quase o mundo inteiro. É cigana. É minha avó.

(......)

Sou feito de vento e terra batida. Não me atraem as quatro paredes de uma casa. Gosto da estrada, de adivinhar a primeira estrela no céu nocturno. Gosto da luz quente das fogueiras. Das sombras das mulheres dançando reflectidas no chão.
Aperto-lhe a mão numa despedida breve e sentida. Preciso do resto que me ensinaste antes mesmo de eu saber ouvir, avó. Preciso de pisar caminhos, de vender os ténis “Nukes” por aí. Contornar as grades com que me acenam de cada vez que me vêem e perseguir a chama quente que me arde nas veias. E de me fazer saber que não sou português. Que não tenho país. E no entanto tenho o mundo inteiro por debaixo dos meus pés. Dos meus ténis. Nuke. "


**** Escrito especialmente para a revista NCONTRAST , cujo o tema escolhido foram as etnias. Publicado orignalmente no seu número de lançamento. A revista é um sonho, um projecto, um cruzamento de artes, de vontades e de contrastes.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

o frio

sou branca. quase transparente. através de mim vê-se tudo e adivinha-se mesmo aquilo que poderia querer esconder. verdadeiramente não quero esconder nada. não me interessa ser outra pessoa além de mim. a minha pele é branca. quase transparente. ontem tive frio de ti. senti-me gelada. cheia de tremuras. aqueci a minha pele até ficar vermelha. a água quente nas costas simulava o calor de um toque teu na minha pele branca e como sabes bem quase transparente. a água é a imitação de um toque breve sobre a pele. para eu não me esquecer que sou mais do que um corpo. a tiritar de frio. vazia de mim.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Preço


Não sou nada
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
Álvaro de Campos



Porque danço a meio do dia. porque abro os olhos num sorriso imenso para o mundo. porque choro. porque me provo. porque erro. porque espero sempre alguém. porque sonho sempre de olhos abertos para o futuro. Porque sou inteira quando te amo. Porque sou absoluta. Porque sou cavalo selvagem. porque sou a liberdade na flor. porque sou a presa fácil do amor. porque sou assim. apenas eu. apenas sonho. nuvem de fantasia. porque sou toda em ti. porque nada deixo para mim. porque me abraço. porque tenho frio. porque me acaricio. porque tenho fome. de ti. porque me olho ao espelho. e não te vejo. porque rodopio sozinha a meio do dia. porque sonho. Sempre. muito.
**pediram-me que republicasse um post que me definisse o melhor possivél. talvez seja este o post. talvez seja esta a imagem.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

sem título

Hoje estou por titular. É princípio do ano e eu deveria mudar. Mudar pelo menos alguma coisa. Em mim ou no meu caminho. Mas hoje sinto-me como um texto riscado. Que apagamos consecutivamente e, consecutivamente voltamos a escrever. Nota-se o lápis preto borrado. Como no tempo dos ditados e das composições. Apagar e escrever. Porque nunca se tem a certeza.

E, hoje só por hoje, precisava de certezas.

E de andar de baloiço. E de me lembrar. Ou de ouvir a tua voz. Isso bastava, penso eu.

Tenho uma certa queda para coisa impossíveis, não é?